Data: 19/09/2018
Há pouco mais de 10 anos, a convergência às normas internacionais de contabilidade e o desenvolvimento de ferramentas tecnológicas foram as grandes preocupações da classe contábil. Passado o turbilhão gerado por toda e qualquer mudanças, a tendência é que o contador faça as pazes com esses pontos e tire proveito delas.
Com a tecnologia crescendo e o ramo empresarial sendo cada vez mais decisivo economicamente, o exercício contábil passou a ter uma visão mais disruptiva com o status quo da contabilidade: a mudança tecnológica está relacionada com a mudança comportamental. Os conceitos de inovação trouxeram um novo campo de atuação para os contadores, que passaram a atuar com maior força nas áreas de gestão, minimizando danos de cunho patrimonial e propondo soluções para crescer.
“Temos que entender, de uma vez por todas, que a tecnologia é uma aliada do profissional da contabilidade”, aponta a presidente do Conselho Regional de Contabilidade, Ana Tércia, se opondo a ideia de inimizade entre os profissionais contábeis e as novidades tecnológicas.
Entre as novidades da profissão, a participação efetiva da tecnologia foi, e está sendo, um grande marco para a classe. Essas novas responsabilidades são trazidas à medida em que os instrumentos disponíveis para execução dos trabalhos vai se otimizando: “quando cria-se maneiras mais eficientes de se apurar valores, de calcular, de desenvolver indicadores, por exemplo, o exercício contábil vai naturalmente se aperfeiçoando e acompanhando essas mudanças”, avalia Ana. A transição do processo artesanal de produção de um livro contábil, para a digitalização, modifica, não somente o contador como profissional, mas todos inseridos nesse contexto.
Pelo fato de a contabilidade ser um segmento que tem como objeto de estudo um volume muito grande de dados e de números, os facilitadores no processamento de dados são um marco para a profissão. Desde a tecnologia para a elaboração de uma nota fiscal até o mecanismo atual, com a nota fiscal eletrônica, os processos e etapas que eram característicos para os contadores, começaram a sofrer com uma metamorfose tecnológica.
Esse processo de ligação com a tecnologia resultou no Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), que em 2007 teve seu início, sendo parte do Programa de Aceleração do Crescimento do Governo Federal. Na prática, o Sped tornou-se um divisor de águas para o que se fazia na contabilidade e o que se faz atualmente. Sendo atualizado constantemente em novos blocos, o Sped promete acumular tudo que se precisa para fins de informação para processar uma contabilidade. Dessa maneira, o sistema de informação pode acumular muito conteúdo, forçando os contadores a se aliarem ao sistema para aperfeiçoar seus conhecimentos. Para Ana, não existirá vida contábil fora do Sped.
A inserção dos dispositivos tecnológicos e de outros sistemas mais complexos, transformou não só a forma como a profissão funciona, mas também como será pensada no futuro. Além disso, modificou a forma que o contador, e todos os ramos de exercício dentro desse conceito, age e é visto pela sociedade.
“A profissão de contador está deixando de ser vista apenas como alguém que produz números e levantamentos, para alguém pode interpretá-los e conduzir a empresa para o sucesso”, projeta a coordenadora dos cursos de graduação e pós-graduação em Ciências Contábeis da São Judas Tadeu, Patrícia Coelho. Essa nova visão sobre um contador reflete-se em uma mudança no perfil do profissional de contabilidade. Patrícia fez mestrado em Engenharia de Produção, devido ao mercado de análises ser, na época, mais segmentado aos engenheiros.
O conhecimento científico gerado através da utilização das novas tecnologias alimenta o mercado com uma profissionalização mais ativa e mais precisa. Dessa forma, o contador passa a trabalhar mais com a interpretação dos valores do que simplesmente o processamento dos números. “O profissional de contabilidade passa a prever cenários e ofertar soluções prévias, mudando a forma engessada que a imagem da profissão carrega”, reflete Ana.
Em 22 de setembro de 1945, o então presidente Getúlio Vargas assinou o Decreto-lei nº 7.988. O documento oficializou a criação do curso de Ciências Contábeis no País, o qual teve seu berço na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O dia, que marcaria a história e seria eternizado pela classe, é comemorado hoje como Dia do Contador.
A profissão, ao longo de sua existência, passou por transformações que acompanharam os avanços os quais a sociedade também experimentou. Essas variações, tanto em dimensões micro – voltadas ao exercer da profissão -, quanto macro – em relação à categoria – fizeram o que a Contabilidade é hoje em dia.
No início da organização da profissão como uma classe trabalhista, a formulação do modelo de conselhos, vigente hoje, pretendia impulsionar a regulamentação dos profissionais das Ciências Contábeis. Quando esse modelo tornou-se realidade, há cerca de 71 anos, o objetivo de fortalecer a profissão, de forma conjunta e estruturada, foi assumido pelos conselhos, tantos em âmbito estadual quanto federal.
“Desde que o ser humano passou a ter a necessidade de obter o controle sobre o patrimônio, o ofício de contador foi e, ainda está, transformando-se”, afirma Ana Tércia Rodrigues, presidente do Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul (CRCRS). Através do tempo, os contadores passaram por diversas outras mudanças, como a convergência às normas contábeis internacionais, por meio do International Financial Reporting Standard (IFRS), e a chegada de novos aparatos tecnológicos que revolucionaram o exercício contábil.
Se o cenário profissional de contabilidade está passando por transformações, o ensino das Ciências Contábeis também está atrelado às modificações. O avanço da tecnologia no segmento fez com que os pensadores dos cursos de graduação em Ciências Contábeis também seguissem as tendências, assim como no mercado. A tendência dos contadores assumirem papéis de gestão e de tomada de decisões dentro de uma empresa, também foi absorvida pelas academias que dispõe do curso.
“Antes, o profissional era formado para fazer o operacional. Hoje, o estudante está saindo mais capacitado a vender suas ideias para a empresa”, avalia Patrícia Coelho, coordenadora dos cursos de graduação e pós-graduação em Ciências Contábeis da São Judas Tadeu. Para Patrícia, a ideia de ter um estudante engajado no processo de interpretar os dados, ler cenários e tomar decisões faz parte da quebra da antiga imagem que o contador tinha perante a sociedade. “Estamos preparando nossos alunos para exercerem um papel ativo em uma empresa”, ressalta.
Para trazer ao aluno uma experiência mais prática e ligada aos métodos do mercado, os laboratórios funcionam como a primeira experiência dos futuros contadores. “A conjuntura contábil também acompanha as questões da modernidade. Para isso, temos os laboratórios em que utilizamos os mesmos sistemas que se utilizam nos escritórios contábeis”, aponta Silvio Taborda, coordenador do curso de Ciências Contábeis da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs), relacionando com o primeiro contato com a prática do dia a dia da contabilidade. Seguindo o mesmo conceito dos laboratórios, a coordenadora na São Judas Tadeu avalia outras opções: “Os nossos alunos hoje estão participando mais ativamente em projetos e startups, aprendendo sobre os procedimentos e processos internos de uma empresa”.
Na ideia de um laboratório, o Núcleo de Apoio Contábil e Fiscal (NAF) é uma solução para inserir o estudante na realidade contábil. O NAF é um projeto desenvolvido pela Receita Federal em parceria com as Instituições de Ensino Superior e tem como proposta oferecer serviços contábeis e fiscais gratuitos para pessoas, tanto físicas quanto jurídicas, de menor poder aquisitivo. A São Judas Tadeu conta com um núcleo que, segundo Patrícia, está muito atuante: “Nosso NAF tem sido um grande parceiro da receita federal, auxiliando o contribuinte de baixa e as empresas de pequeno porte”, aponta.
“Principalmente para que o aluno esteja preparado para resolver problemas reais e não aqueles programados”. Segundo a coordenadora, a São Judas Tadeu tem menos de 3% de alunos em busca de trabalho no mercado. Pela tradição da escola, Patrícia ressalta que as empresas procuram a faculdade para contratar os novos profissionais: “As empresas entram em contato solicitando indicações de alunos e isso demonstra a qualidade e reconhecimento”. Na Pucrs, a faculdade tem planos de inaugurar o seu Escritório Contábil para 2019, balizado nos mesmos princípios de orientação contábil e fiscal para pessoas de baixa renda e empresas de pequeno porte.
Devido ao grande campo de atuação de um profissional da contabilidade (contador, auditor, pesquisador, perito, analista, controller, consultor), o plano acadêmico das universidades é semelhante, afunilando para as especificidades dentro do campo contábil. Aliado a isso, às oportunidades proporcionadas por esses laboratórios pode facilitar nas escolhas do futuro profissional. Essa trajetória se complementa com a história profissional dos coordenadores: Patrícia e Taborda assimilaram cargos de diferentes funções e, mesmo tendo definido seus caminhos escolhidos, foram acumulando conhecimentos das mais diversas áreas contábeis.
Com essa visão mais ampla da contabilidade, somado às novas necessidades do mercado, com contadores mais voltados a auxiliar o manejo das empresas junto com os conselhos ou administradores, as Ciências Contábeis passam por mudanças dentro e fora do ambiente de formação. Para a presidente do Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul, Ana Tércia Rodrigues, que também é professora universitária na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), a contabilidade precisa se renovar e, para isso, é preciso otimizar o processo de ensino nas faculdades, planejando o futuro: “Não adianta olhar a profissão só para o hoje. É necessário diminuir os riscos através da qualificação”, pontua.
Fonte: Jornal do Comércio