Data: 08/02/2021
Uma nota do Ministério Público do Trabalho (MPT) que orienta que trabalhadores em home office têm o direito ao controle de jornada e horas extras tem preocupado empresas e advogados. Parte dos especialistas consultados pelo JOTA interpreta que o texto está em desacordo com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e teme que a recomendação sirva de subsídio para eventuais fiscalizações. Outros especialistas, na ponta oposta, entendem que o texto preenche lacunas deixadas pela reforma trabalhista.
A segunda onda de contágio da Covid-19 e o atraso no calendário de vacinação pelo Ministério da Saúde levaram muitas empresas brasileiras a prolongar o regime de home office de seus empregados. Com esse período a mais dos funcionários em suas casas, os empresários começaram a se preocupar com eventuais inseguranças jurídicas nas relações trabalhistas. Uma delas diz respeito à Nota Técnica nº 17, editada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em setembro de 2020, e que traz recomendações de medidas a serem adotadas pelos empregadores durante o período de trabalho remoto.
Segundo especialistas consultados pelo JOTA, embora a nota técnica não tenha força de lei e não seja obrigatório o seu cumprimento, as empresas temem que as diretrizes trazidas no documento possam ser utilizadas em eventuais fiscalizações, tanto do MPT quanto de auditores do trabalho. E, dessa forma, as companhias possam ser alvo de medidas fiscalizatórias que resultem em multas, Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) ou ações civis públicas.
Os advogados entendem que, como não há uma regulamentação específica sobre home office – o ato de trabalhar em casa -, a legislação do teletrabalho, que abrange o trabalho fora do ambiente da empresa, pode não atender às especificidades das relações de trabalho trazidas pela Covid-19. Com isso, podem surgir dúvidas, eventuais sanções administrativas e judicialização.
Na nota, o MPT sugere que os empregadores façam um aditivo ao contrato de trabalho por escrito, tratando de forma específica sobre a duração do contrato, a responsabilidade e a infraestrutura para o trabalho remoto, bem como o reembolso, pelo empregador, de despesas relacionadas ao trabalho em casa. O órgão orienta ainda que as empresas criem mecanismos de controle de jornada a partir do uso de plataformas digitais.
O documento fala sobre a adoção de etiquetas digitais, com especificação de horários para atendimento de demandas, assegurando repousos legais e direito à desconexão, isto é, o direito do funcionário de conseguir se desligar das atividades laborais e não estar sempre disponível para a empresa. O texto pede que os empregadores observem parâmetros de ergonomia relacionados a aspectos físicos, como mobiliário, e cognitivos, como o design das plataformas de trabalho online. Deve haver reembolso dos bens necessários ao atendimento desses parâmetros.
Na opinião do advogado trabalhista Thiago do Val, head de inovação, tecnologia e compliance da Lira Advogados, a insegurança jurídica surge porque a nota do MPT traz obrigações que não estão na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O advogado cita como exemplo a questão do controle de jornada de trabalho, pagamento de horas extras e desconexão.
Na visão de Thiago do Val, a CLT não traz a obrigação de controle de jornada e pagamento de horas extras aos empregadores. Por isso, a preocupação das empresas. “Quando se tem uma nota técnica ou algum posicionamento que vem do Ministério Público do Trabalho, as empresas acabam ficando preocupadas porque o MPT tem o poder de tomar medidas judiciais e fiscalizatórias contra as empresas”, diz o advogado. Do Val lembra ainda das dificuldades das empresas em controlar as condições ergonômicas do trabalhador que atua de casa.
A advogada trabalhista Denise Arantes, sócia do escritório Mauro Menezes & Advogados, também defende que o teletrabalho ainda traz muitas incertezas para empregadores e empregados. Porém, ela explica que a insegurança jurídica surge não por conta da nota do MPT, mas porque as alterações da reforma trabalhista de 2017 criaram dúvidas sobre o teletrabalho. Ela lembra ainda que as mudanças foram realizadas antes da intensificação do home office no Brasil devido à pandemia da Covid-19. “Os artigos do teletrabalho não são compatíveis com os próprios dispositivos da CLT e não trazem regulamentação específica, então, eles trouxeram mais dúvidas do que certezas”.
Atuação MPT
O coordenador nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho do MPT, Luciano Lima Leivas, afirma que a Covid-19 trouxe alterações nas relações trabalhistas e muitos desafios para empresas e empregados. Ele explica que a nota técnica do MPT é uma proposta de conduta, e tem por objetivo trazer uma orientação sobre os direitos e deveres onde existem lacunas na legislação. Por isso, o MPT pode usar a própria nota técnica em suas fiscalizações.
“Em tese, o MPT pode usar a nota técnica para fiscalizar e autuar uma empresa. Mas antes de uma ação civil pública, primeiro o MPT vai investigar como está sendo conduzido o regime de teletrabalho em uma determinada organização empresarial”, explica. “Verificando que aquele regime de teletrabalho, da forma como está sendo feito, causa danos a uma coletividade de trabalhadores, o procurador pode fazer um ajustamento de conduta do trabalhador e regularizar aspectos como de saúde coletiva com base naquelas recomendações gerais, ”, complementa.
Para evitar judicialização, os advogados orientam que as empresas façam aditivos contratuais explicando como será o regime de teletrabalho durante a pandemia. Os especialistas orientam também que as empresas criem políticas claras sobre o funcionamento do home office durante a esse período.