Data: 19/02/2019
As elevadas taxas de desocupação e subutilização da mão de obra, somadas à aprovação da Lei Complementar 128 de 2008, que criou incentivos para a formalização de pequenos negócios, vêm contribuindo para o crescimento expressivo do número de microempreendedores individuais (MEIs) no país.
Apenas no ano passado, segundo pesquisa divulgada recentemente pela Boa Vista, a quantidade de novos MEIs cresceu 19,3%, contra queda de 0,4% na taxa de abertura de empresas dos demais segmentos. Entre as empresas abertas em 2018, 77,3% eram MEIs. Não é à toa, portanto, que é crescente o interesse de bancos e fintechs pelo segmento, que apresenta grande potencial para oferta de crédito e demais serviços financeiros.
Por enquanto, contudo, ainda se trata, principalmente, de potencial. Afinal, apesar da relevância do segmento, o saldo das operações de crédito para MEIs representava no 3º trimestre de 2018 apenas 2,4% do saldo de R$ 3,2 trilhões de todo o Sistema Financeiro Nacional, de acordo com dados do Banco Central (BC).
Além disso, em 2018, segundo pesquisa do Sebrae, 59% dos microempreendedores individuais entrevistados ainda não utilizavam maquininha de cartão, em parte por causa dos elevados custos dos pagamentos na modalidade. Em artigo publicado no final do ano passado, já apontamos as altas taxas de juros – consequência dos elevados índices de inadimplência do segmento – como um dos obstáculos para a expansão dos empréstimos para MEIs.
Enquanto, no 3º trimestre, a inadimplência média das operações de crédito para pessoas jurídicas foi de 2,6%, para as MEIs ela foi quatro vezes maior (10,4%). No caso das operações para pessoas físicas, a taxa média de inadimplência das MEIs era de 5,8%, ante 3,4% quando são consideradas as operações para todos os segmentos.
Em relação aos empréstimos para MEIs na pessoa jurídica, é interessante notar que a taxa de inadimplência é ligeiramente menor entre as empresas mais jovens, com até 3 anos de idade. Nas operações de crédito para MEIs na pessoa física, por sua vez, nota-se que a taxa de inadimplência está inversamente correlacionada à renda, ou seja, quanto maior a renda do tomador, menor, em média, a inadimplência, relação semelhante à observada para as pessoas físicas como um todo.
Por trás da elevada inadimplência, porém, parece existir um fator adicional, relacionado a problemas na gestão financeira dos negócios. Outra pesquisa realizada em 2018 pelo Sebrae, cujos principais resultados também foram divulgados no último Relatório de Cidadania Financeira do Banco Central, identificou que, de maneira geral, esses empreendimentos apresentam deficiências em seus controles e gerenciamento.
48% dos microempreendedores entrevistados, por exemplo, não tinham registro sobre a previsão dos gastos para o mês seguinte. Além disso, 24% afirmaram não saber se teriam os recursos necessários para pagar as contas e 68% não possuíam uma previsão de saldo de caixa para o próximo mês. Chama atenção ainda que 34% dos entrevistados não costumavam acompanhar o saldo de caixa ou fazem isso no máximo uma vez por mês, 51% não faziam nenhum tipo de registro das retiradas pró-labore de seu negócio, enquanto 42% ainda faziam venda fiado. Destes, 86% já haviam tido algum problema para receber o pagamento desse tipo de venda.
Esses dados ajudam a explicar por que 50% dos empreendedores entrevistados às vezes são pegos de surpresa e ficam sem saber como conseguirão pagar as contas do negócio e 34% simplesmente não conseguem manter os pagamentos da empresa em dia. Ao menos parte da inadimplência observada entre microempreendedores individuais, portanto, parece estar relacionada a problemas na gestão financeira dos negócios.
Explica –ou agrava –o quadro o fato de que 77% dos entrevistados nunca fizeram cursos ou treinamentos na área de administração financeira. Entre os empreendedores que não completaram o ensino médio, o percentual supera os 85%. No mais, chama a atenção que, mesmo quando há sistemas de controle nas empresas, eles são, muitas vezes, precários.
Enquanto 33% dos entrevistados não registravam os gastos em nenhum local, 50% registravam em cadernos e somente 21% faziam o controle por meio digital (computador, tablets, etc.). Com relação às receitas, 39% não faziam controle da entrada de dinheiro, 47% utilizavam cadernos e apenas 17% faziam registros em um computador. É fato que o segmento de microempreendedores individuais apresenta grande potencial de crescimento e representa, com isso, enormes oportunidades de negócio.
Os dados analisados sugerem, contudo, que o sucesso na oferta de empréstimos e serviços financeiros parece não depender somente da boa avaliação dos riscos, mas também da capacidade de bancos e fintechs de disponibilizarem soluções digitais simples, ágeis e baratas, bem como treinamentos eficazes, que auxiliem esses empresários na gestão financeira de seus negócios. Contas digitais gratuitas, maquininhas de cartão sem aluguel e outras soluções de pagamento customizadas, aplicativos de controle de fluxo de caixa e o aumento da oferta de operações de antecipação de recebíveis já são importantes avanços observados nessa direção.